Por Amanda Meireles
Todo início de outubro, a mesma pergunta: “pai, o que você quer ganhar de presente?”. Indagávamos já sabendo de cor a resposta imediata: “eu só quero a obediência de vocês”. Sempre tínhamos a vã esperança de que a famosa sentença viesse seguida por algum item concreto que preenchesse o real significado que a palavra PRESENTE tinha para uma criança, mas não passava disso mesmo: vã esperança.
Como você já deve imaginar, nossa reação ao ouvir meu pai era sempre de enfado, um revirar “básico” de olhos, característicos de quem não dava muita importância ao que ele pedia. Crianças associam obediência à obrigação, a algo maçante e limitante. Para adolescentes, então, chega a beirar a opressão (que o diga a geração atual). E é claro que ele sabia como sua resposta repercutia em nós, mas não se cansava de tentar. Não é esse o papel dos pais e dos educadores, o de persistir em transmitir um bom ensinamento, até que seja incutido em seu aprendiz?
Felizmente, o tempo se encarregou de comprovar que a esperança de meu pai não era vã. Somos unânimes em afirmar que Obediência é uma palavra que traduz a essência do nosso amado pai e naturalmente passou a fazer parte de quem somos também. Hoje conseguimos entender que meu pai queria que obedecêssemos não por imposição de autoridade, mas para garantir que estivéssemos seguras enquanto não sabíamos discernir entre o certo e o errado; se ainda não tínhamos alcançado conhecimento de vida o suficiente para agirmos baseadas em valores adquiridos, pedir obediência era um ato de cuidado de quem já tinha vivido o bastante. Nesse contexto, obediência torna-se cuidado, proteção e amor.
Engraçado como detalhes marcam tanto uma vida e suas relações, como pequenos gestos impactam histórias. Uma cena corriqueira entre pai e filhas carregada de significado. Meu pai tinha razão. Obediência era o melhor presente. Mas hoje reflito que o presente, na verdade, era mútuo. Nada melhor para um pai do que saber que seus filhos estão seguros, assim como não há palavras para descrever o coração de um filho que se sente protegido e amado.
Obedecer foi como pisar as pegadas feitas por ele em um caminho árduo, até que fôssemos seguramente capazes de marcar nossas próprias pisadas.
Na imagem acima, da esquerda para a direita: Sr. Francisco (pai de Amanda Meireles), Aline e Ana Paula (irmãs de Amanda Meireles) e Amanda Meireles, quando criança.
Autoria
Amanda Meireles nasceu em 09 de outubro de 1983, em Duque de Caxias. Mãe apaixonada de Isabela e Isaque, estudante de Psicopedagogia, defensora da inclusão e do acolhimento, intérprete de Libras há 11 anos, autora do livro "O Jeito Que Ana Ouvia".
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