Por Gilson Salomão Pessôa
Espanha, 1944. Ofélia, uma menina apaixonada por contos de fadas, viaja com a mãe grávida e doente para morar junto com o padrasto, um insensível capitão a serviço do ditador Franco que está perseguindo um grupo de guerrilheiros escondidos nas montanhas.
Nesse contexto ela é atraída por uma fada a um labirinto nas redondezas, onde conhece um fauno, que por sua vez a reconhece como reencarnação de uma princesa do mundo subterrâneo há muito tempo atraída pelo mundo exterior, tendo sucumbido a ele e morrido. Para provar que sua essência continua intacta, ela precisa passar por três provas antes da lua cheia, onde será testado seu grau de comprometimento com o reino que irá herdar.
Assim é a sinopse de “O Labirinto do fauno”, filme de Guillermo Del Toro que apresenta uma fábula poética, sombria e trágica.
O mundo fantástico é apresentado de forma bastante obscura, mais ligado ao folclore popular do que os contos de fadas perfeitinhos e asseados que a empresa Disney costuma mostrar.
Tomemos o fauno como exemplo: tem cheiro de terra, não é esteticamente aprazível e sua voz gutural assustaria qualquer criança. Enigmático, nunca explica a razão dos testes que a garota deverá fazer. É interessante notar que ele usa o pronome vos, ao invés de tu ou usted, o que denota uma relação com o espanhol arcaico, dando um traço especial ao personagem.
Apesar de relacionado a um contexto no passado, o filme é atualíssimo. Impossível não relacionar o Capitão Vidal com George W. Bush. Cresceu admirando a imagem de seu pai, um general valoroso e usa termos como “Espanha pura e limpa” para justificar seus atos sanguinários. A cena em que ele mata um jovem com garrafadas no rosto deixa bem claro seu caráter violento. O mundo real é mais aterrorizante que o idílico.
A película trata de sacrifício e os desafios que precisamos enfrentar pela recompensa maior no final. Uma fábula adulta sobre o valor do desprendimento de bens e ideias materiais para alcançar um enriquecimento da alma. Um sopro de fantasia numa época de tanto cinismo e hipocrisia.
Ofélia precisa conquistar o respeito dos seus súditos, o que enriquece ainda mais a narrativa. Precisa mostrar que se entregará totalmente, abrindo mão de tudo que ama e possui, sem ceder às tentações do mundo exterior.
Os cenários são belíssimos e a trilha sonora suspende o espírito. Um libelo sobre a beleza do obscuro, da essência lírica escondida em lugares fora da percepção viciada do olho humano. Os quadros mais belos são aqueles pintados com cores escuras e tristes.
Em uma sequência do filme é contada a história de uma rosa azul que oferecia imortalidade e ficava no alto de uma montanha. Ao final de todo dia ela murchava pois ninguém tinha coragem de enfrentar os espinhos venenosos para obtê-la. Que este filme sirva de incentivo para que enfrentemos nossas eventuais agruras em busca de uma beleza há muito tempo perdida e esquecida.
Autoria
Gilson Salomão Pessôa é jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com Pós Graduação em Globalização, Mídia e Cidadania pela mesma faculdade. Publicou os livros "Histórias de Titãs Quebradiços" e "Um Suspiro Resgatado".
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