Por Gisele Silva
“... Como castelos nascem dos sonhos
Pra no real, achar seu lugar...”
Oswaldo Montenegro
Para responder a essa pergunta tive que relembrar alguns anos atrás. Atuando como Orientadora Pedagógica das professoras do Ciclo de Alfabetização de duas escolas diferentes em São João de Meriti, era constantemente bombardeada com questões sobre como auxiliar as crianças que não conseguiam aprender a ler e escrever. Sempre tive o hábito de pesquisar muito para consequentemente melhor orientar a práticas das professoras com as quais eu trabalhava. E essas questões por mais que eu também me questionasse eram difíceis de responder.
Nessa busca para tentar ajudar as professoras, participei de vários Cursos, Jornadas pedagógicas e até de uma Pós-graduação de Psicopedagogia! Sempre aprendemos algo, sempre conhecemos pessoas com as quais compartilhamos angústias, dúvidas e concepções. Em uma dessas idas e vindas, fui indicada por uma colega da Pós em Psicopedagogia a ir realizar uma dobra em um Ciep municipalizado em São João de Meriti.
Iniciei a dobra e lá tive a oportunidade de conhecer uma professora que estava fazendo uma pesquisa sobre ciclos na escola. Ao final de sua pesquisa, a professora deixou conosco seu email e nós demos-lhe os nossos. Em outubro, ela enviou um comunicado divulgando uma Pós-graduação com um título que para mim, poderia resolver (ou pelo menos) responder alguns dos questionamentos que as professoras me faziam e que eu secretamente também. A Pós em questão era “Alfabetização das crianças das classes populares”.
Ao ler esse título, pensei: “Não era tudo que eu queria e precisava?” Fiz a inscrição, estudei os livros da bibliografia com afinco, fiz a prova (cheguei esbaforida, um pouco atrasada) e na porta da sala de prova uma doce pessoa me disse: “– Calma, não precisa correr!” Era uma das professoras da Pós. Depois dessa recepção, eu pensei: “– Agora mesmo é que eu preciso passar nesse processo seletivo de qualquer forma!” Após a prova, a tortura de aguardar se havia passado para ser chamada à entrevista.
Fui chamada para a entrevista. Meu Deus! Consegui. Era a felicidade em pessoa. E descobri que muitas concepções que eu tinha nem chegavam perto do que venho aprendendo desde a Pós até hoje. No final da Pós, fiz coro com algumas colegas e conseguimos convencer uma de nossas professoras a nos acolher em um grupo de estudos. Não queríamos, não podíamos parar de estudar!
GEPPAN. Grupo de Estudos e Pesquisa Professoras Alfabetizadoras Narradoras. Apenas mulheres, até recebermos mais alguns pares (meninos lindos e competentes), que fizeram o nome mudar de “Professoras Alfabetizadoras para Professores Alfabetizadores”. Quantas boas recordações e experiências vivi!
E quem está lendo esse relato deve estar pensando: E, nessa altura como afinal de contas você alfabetiza hoje? Calma, caro leitor, sem essa introdução, eu não poderia responder a essa questão!
O Geppan foi formado em 2008. Participante assídua tudo que vivenciei foi, uma espécie de laboratório pleno de ótimas experiências. Fazia as leituras sugeridas, conversava e orientava as professoras com as quais eu trabalhava a partir do que eu aprendera na Pós-graduação e nas trocas no grupo, porém me faltava o principal. Uma turma. Confesso que sentia uma ponta de inveja das amigas que, a cada encontro do grupo, apresentavam seus trabalhos e falavam com paixão de suas turmas e alunos! E eu apenas observava o trabalho de outrem...
Quando chegaria minha vez de ter a mesma oportunidade? E ela chegou. No final de 2010, fui chamada para o concurso do município do Rio que fizera em 2006 e finalmente em 2011 assumi uma turma de 1.º ano do ciclo. Após 19 anos voltei a alfabetizar!
Desde então venho procurando pôr em prática os princípios e concepções que durante todos esses anos de estudo e troca do/no grupo me foi possível compartilhar. Primo pelo diálogo e parceria com meus alunos, aprendoensino com eles. Acompanhei a turma, com a maioria dos alunos até o 5° ano.
Realizamos, juntos, projetos que foram para além dos muros da escola. E, ainda hoje, falo deles apaixonadamente, alguns ainda me visitam ou enviam mensagens. Em 2021 voltei a assumir uma turma de 1º ano, um desafio ainda maior, no contexto pandêmico em que nos encontramos. Voltei a sentir medo, angústia, incapacidade pelos que ainda não conseguiram aprender a ler e escrever.
Como alfabetizo hoje? Mantendo o pensamento ação que tem por base a teoria em constante relação com a prática. Experimentando, errando, acertando, sofrendo, "nascendo”, “rompendo,” adorando", “gritando”! E só para não perder o costume, usando uma música como inspiração vou erguendo meu castelo de sonhos que vêm se tornando verdadeiro!
Autoria
Gisele Silva é Pedagoga que atua com professoras e alunos de uma Escola Especial para Autistas em São João de Meriti. Professora dos anos iniciais na cidade do Rio de Janeiro. Pós Graduada em Alfabetização das Crianças das Classes Populares pela UFF. Faz parte do Coletivo “Encantadores de Letras”. Autora do Projeto “Caixa de Encantamentos” que incentiva a leitura, estimulando a percepção, a imaginação e o fazer criativo. Iniciou o caminho como escritora em 2019 publicando 3 livros de literatura infantil e participando com dois textos na coletânea "Vozes Negras: tecendo a resistência".
Redes sociais:
Instagram: @giselesilvapegagoga
Facebook: Gisele Silva Pedagoga
Comments