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Melinda & Melinda

Por Gilson Salomão Pessôa



O cineasta francês Jean Luc Godard perguntou certa vez em um documentário “Porque um homem não pode escorregar em uma casca de banana e logo depois levar um tiro?”, indagando sobre o vício de rotular e dividir tragédia e comédia em categorias separadas.


Na Grécia Antiga tivemos inúmeros exemplos de belíssimas tragédias que mostravam algo engendrado nas teias do destino e impossível de ser modificado. William Shakespeare escreveu várias peças enfocando diferencialmente os seguintes gêneros, usando o amor como força motriz para ambos.


A dúvida permanece onde o drama termina e o humor começa? Em certo momento da seguinte projeção, um personagem faz uma pergunta à protagonista, que está chorando: “São lágrimas de alegria ou tristeza?” Ela responde: “Não são as mesmas lágrimas?”.


O filme começa com dois dramaturgos de categorias distintas debatendo sobre o valor de cada uma: uma vista como confronto e a outra como fuga. A fim de resolver o problema eles resolvem desenvolver duas narrativas tendo como base a trajetória de uma estranha que chega a um jantar, porém seguindo diferentes angulações, mas mantendo pontos em comum, para que uma análise visceral dos gêneros possa ser feita.


Ao longo das duas histórias intercaladas, o diretor Woody Allen mostra como o riso e a tristeza brotam com naturalidade ao longo do cotidiano complexo, tortuoso e indefinido, permitindo verificar que os dois conceitos discutidos são díspares e intrínsecos ao mesmo tempo. São duas faces de um mesmo rosto refletido.


É interessante notar que a versão trágica mergulha na psicologia dos personagens, contextualizando suas dores e suas referidas bagagens emocionais, enquanto a comédia, que quase sempre se alimenta do infortúnio de terceiros, joga com a casualidade dos acontecimentos.


A diferença de pontos de vista pode levar a um conflito ou ao riso, dependendo da angulação almejada.


Em vários pontos os temas das histórias se cruzam, enriquecendo a leitura da película: nas duas versões percebemos problemas conjugais que terminam em adultério. Na versão dramática, o homem tem a posição dominante e na outra ele é submisso, dando vazão às diferentes nuances de personalidade humana.


O amor, assim como nas peças shakespearianas, desempenha um papel importantíssimo enquanto motivação dos personagens envolvidos e seu caráter dúbio (salvação ou ruína) está bem especificado neste filme.


Ao final da projeção fica bem clara a intenção do cineasta: a vida está cheia de momentos que podem ser interpretados e contados de diferentes maneiras, dependendo da contextualização e das reações aos fatos que vão surgindo ao longo da narrativa.


Tudo se resume à maneira como encaramos as eventualidades do dia-a-dia o sofrimento nos leva à reflexão e/ou redenção enquanto a comédia ajuda a relaxar e refletir melhor sobre os percalços que contribuem para criar um painel tão diversificado da personalidade humana desde o início dos tempos.




 

Autoria


Gilson Salomão Pessôa é jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com Pós Graduação em Globalização, Mídia e Cidadania pela mesma faculdade. Publicou os livros "Histórias de Titãs Quebradiços" e "Um Suspiro Resgatado".



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