Por Camilo de Lellis Fontanin
Mais uma crise e, mais uma vez, eles não falharam comigo. Tem sido quase sempre assim, desde os meus oito anos. Claro que falo dos meus mestres, os livros, que sempre me acompanham. Mas, dessa vez, foi um pouco diferente. Eu estava atravessando uma crise de ansiedade muito forte em que eu estava com muito medo e não conseguia ficar parado, nem manter uma frequência respiratória aceitável. Então, me lembrei de um dos meus livros de histórias infantis preferido, o "Berenice, a Cacatua", da autora Andréia Marques.
Pois bem, reli essa verdadeira aula de filosofia para as crianças e fiquei pensando sobre os motivos que estavam me causando a crise de ansiedade. Tirei as minhas próprias conclusões que relato a seguir...
No livro, Berenice é uma cacatua que nasceu livre e foi capturada e presa em uma gaiola, junto com outros pássaros, em um pet shop, para ser vendida. Logo aparece um comprador, o Sr. Prudêncio, que acaba levando a Berenice para a sua casa. Sr. Prudêncio desejava uma companhia que não lhe desse trabalho e que não fugisse. Então ele teve a ideia de cortar as asas da Berenice, mas para o seu azar disse que o faria na manhã seguinte e ela o ouviu dizer isto. A cacatua teve uma noite todinha para maturar no que iria fazer para escapar de tão triste destino. Se ela fosse uma ave que sofresse de ansiedade, teria ficado a noite toda vendo cena por cena da tragédia que estava para lhe acontecer. Mas, não! Deixou que seu instinto de ave livre lhe dissesse o que fazer.
Na manhã seguinte, o Sr. Prudêncio estava certo do que iria fazer. Pegou uma tesoura e foi para a caixa em que estava presa a pobre ave, que já o esperava, mas que se fingia de adormecida. Quando ele levantou uma das laterais da caixa para pegar a avezinha, ela lhe deu uma bicada que fez com que ele recolhesse a mão soltando a feliz ave e ela pôde, assim, fugir. Foi aí que eu compreendi o maior sintoma da minha ansiedade. Justamente o que me causa taquicardia: o medo. E qual seria a causa desse medo? Voltemos à nossa história: a Berenice aguardava o momento de poder fugir da caixa em que se encontrava. Ela tinha que perceber o MOMENTO CERTO para poder abrir suas asas e voar. Na minha caminhada para voltar a respirar o ar ambiente, eu tenho que descobrir o MEU MOMENTO CERTO para me desligar do oxigênio. Apesar de hoje eu depender do concentrador de oxigênio 24h por dia, eu só vim a precisar dele, por todas as essas horas, há uns três anos. Não foi sempre assim.
Sei que um dia não vou mais precisar do concentrador e tenho muito medo de não suportar a falta de ar. Já estive mais de três vezes em uma UTI e fiquei mais de trinta dias em coma, segundo o que me disseram, por casa da falta de ar. Esse é o meu maior medo. E é ele que eu terei que enfrentar, quando chegar o MEU MOMENTO CERTO.
P.s.: A história da Berenice não terminou com a fuga dela. Tem muito mais coisas além do dia em que ela fugiu, muito mais de filosofia, e de psicologia, até o final da história. Mas não vou contar... Quem se interessar pela bela história da Berenice é só ler o livro "Berenice, a Cacatua".
Autoria
Camilo de Lellis Fontanin nasceu em 1962, na cidade de Americana. São mais de 50 anos de amor aos livros de Poesia, Romance, Conto, Crônica e também aos livros de Psicologia, Psicanálise e Física.
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