Por Paulo Pazz
Ao cair da tarde, ele chega do campo, cansado, arreado no lombo do cavalo. Corpo queimado de sol e de sonhos bons.
Seus olhos são olhos de dever cumprido na lida do gado. Seus olhos são olhos de ver o comprido tamanho do mundo que se descortina por trás das terras que ele cuida e respeita.
Ao longe, o sol continua sua jornada em finitude, despejando sobre as alegorias da terra seu jato dourado, como despedida.
E eu me perco perscrutando seu afazer meio apressado, agora que a noite quase principia a cair. Da varanda, vejo sua sombra espichada por sobre o terreiro de chão batido, seguindo-o, enquanto ele debulha o milho para galinhas. Ao tu-tu-tu-tu que ecoa de sua garganta, as aves se enrodilham em suas pernas e eu fico, ali, ruminando essas imagens barulhentas de bicos catando milho. Logo são centenas de animais gulosos e mal educados, atropelando uns aos outros, quase voando na mão de meu pai.
E ele ri aquela risada desabrida que chega a lhe sacudir os ombros. De vez em quando, um ou outro impropério, quando uma galinha mais afoita do que faminta salta e tenta arrancar a espiga de sua mão. E assim, lá se vão mais ou menos 20 minutos, até que a noite comece a escorregar viscosa e negra nas copas das árvores.
Enfim, papai tira seu chapeuzinho encabanado, sobe, barulhento, os quatro degraus da escada e senta-se indolente ao meu lado.
Jeito encabulado de caboclo, olha-me meio de lado, dá um suspiro lerdo de cansaço e pousa sua mão morena e calosa sobre minha pálida mão urbana. Sinto a pressão de seus dedos viris e meio desprovidos de delicadezas. Aí, então, ele penetra seu olhar castanho bem no fundo de minha alma e eu leio toda a mudez de seu gesto, transbordando em mim seu jeito de amor.
Mais de uma vez ele me falara que o amor, para ser amor, não precisa ser arrotado em palavras, mas nas atitudes... e minha mão sob a sua entendia isso de uma forma tão intensa que chegava me doer por dentro.
De chofre, sem que ele esperasse, praticamente voei para o seus braços e me aninhei, insuspeita, como criança assustada acordando de um pesadelo no meio da madrugada.
Papai, homem acostumado a lidar com as brutezas do campo, atrapalha-se todo e envolve seus braços cansados sobre mim e eu me deixo aconchegar naquele colo esquecido de afetos. Seu coração ribomba em meus ouvidos aconchegados em seu peito; peito que encerra aquele amor inequívoco e incondicional que tem me feito tanta falta.
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Uma estrela cadente rasga o céu. Uma lágrima corta a minha face. A brisa amena embaraça-se em meus longos cabelos inebriados pelo calor gostoso da respiração de Papai. Beijo seu rosto e suspiro fundo
A lua chega de mansinho para nos contemplar!
Autoria
Paulo Pazz é licenciado em Letras pela UFG-CAC, Professor pelo Estado de Goiás e Membro da ACL - Academia Catalana de Letras. Também é revisor e colunista da Revista Portalvip (com circulação em toda região sudeste de Goiás), integrante da Comissão julgadora das Olimpíadas da Língua Portuguesa desde 2014, ator integrante da Cia Express’arte e instrutor de “Contação de Causos" pelo Centro Cultural Labibe Faiad (Catalão/GO). Participou da mesa redonda O fazer Poético e do Sarau de Poesias (ambos do I FLICAT UFG) e do Festival Literário do Cerrado – FLICA (Ipameri-GO), edições I, III e IV. Mantém a Página literária do blog Recanto das Letras, do site da UOL, desde Outubro de 2008. Recebeu oito premiações em concursos literários mantidos pela UFG (a primeira em 1993), cinco premiações pelo SESI-Arte e Criatividade (nas categorias Conto e Poesia) e o Prêmio “Trabalhador da Indústria” pelo SESI. Participou de duas antologias poéticas publicadas pelo SESI – Serviço Social da Indústria e publicou os livros "Palavra Lavrada", "Transfiguração" e "Manual do Desesquecimento".
Fanpage: https://www.facebook.com/paulopazz
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