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Bordando para os avós tecidos de memórias

Por Fabiana Esteves



Minha avó paterna ostentava um piano de cauda e cachos minúsculos. Meu avô paterno ostentava uma guerra e navios da Marinha Mercante. Meu avô materno ostentava uma biblioteca até o teto e dicionários escritos à mão. Minha avó materna ostentava histórias da roça e incríveis dotes culinários. Foi com ela que mais convivi, pois os outros se foram cedo. Teoricamente era quem menos dotes tinha a oferecer: poucos estudo, nenhum dinheiro ou habilidades extraordinárias. Mas as pequenas atitudes podem valer muito. "Os grandes aromas estão nos pequenos frascos", já diz o ditado. Ela gostava de ditados.

Todos os meus avós, paternos e maternos, me marcaram a existência, pois mesmo não estando mais entre nós, saltam desde sempre da boca do meu pai e da minha mãe. Vivem em mim pelas narrativas memoráveis que se repetem. Eu me encanto de ouvir de novo. Não me canso. E vejo que o mesmo se reinventa com os meus pais e minhas filhas, agora pelo WhatsApp. "Quero falar com minhas netas!" Já não tenho a mesma importância, perdi o papel de protagonista neste espetáculo. 


O estrogonofe dela é melhor que o meu, o bolo dela é mais fofinho que o meu… Nem me atrevo a competir com comida de vó. Revisitando outro ditado popular, "Avó é mãe com açúcar", ouso reinventá-lo à luz dos tempos pandêmicos e digo que os avós não são, nem de longe, açúcar refinado, que em excesso, faz mal à saúde. São carboidratos do bem, que vão liberando energia devagar, pouco a pouco, sem sacrificar a curva glicêmica. 


Mesmo depois que se vão continuam adoçando a vida dos netos através das narrativas afetivas. Memórias que não deixamos que se apaguem. Minha amiga recentemente se despediu da mãe e me disse: "As pessoas dizem que vai passar, mas eu acho que não." Concordo, não vai. Mas há um momento em que o luto termina e seguimos em frente. Transformamos a tristeza em saudade. Mas como a saudade é uma ferida aberta, vale ocupar-se dela. Sábia, ela adotou um cachorro e transferiu o cuidado. Vai viver novas histórias. Vai escrever no livro da vida as narrativas de hoje com a mesma caneta que registrou as memórias da saudade.


À minha avó, eu fiz a minha oferta. Recolhi a dor, transformei em fio e teci a saudade. Como não sou habilidosa com as linhas, bordei em palavras o inhame com melado em cima da mesa (forrada pela metade) às quatro da tarde, a novela das seis, os casaquinhos de crochê, o quarto de santos, a pouca sorte das galinhas degoladas, o sítio em Queimados, a couve fininha sempre com muito alho e o feijão temperado a Sol. Virou o livro "Pó de saudade", meu tecido de memórias.


Nas fotos acima, a partir do topo e da esquerda para a direita, Fabiana Esteves e sua avó materna Maria, seu avô materno Vinícius, seu avô paterno Nestor e sua avó paterna Margarida.


 

Autoria



Fabiana Esteves é Pedagoga formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNiRIO) e Especialista em Administração Escolar. Trabalhou como professora alfabetizadora na Prefeitura do Rio de Janeiro e no Estado do Rio com Educação de Jovens e Adultos. Trabalhou como assessora pedagógica e formadora nos cursos FAP (Formação em alfabetização Plena) e ALFALETRAR, ambos promovidos pela Secretaria de Educação do mesmo município. Também foi Orientadora de Estudos do Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, programa de formação em parceria do município com o MEC. Em 2015 coordenou a Divisão de Leitura da SME de Duque de Caxias (RJ). Atualmente, é Orientadora Pedagógica da Prefeitura de Duque de Caxias, onde tem se dedicado à formação docente. Escritora e poeta, participou de concursos de poesia promovidos pelo SESC (1º lugar em 1995 e 3º lugar em 1999) e teve seus textos publicados em diversas antologias pela Editora Litteris. Escreve para os blogs “Mami em dose dupla” e “Proseteando”. Publicou os livros “In-verso”, "Pó de Saudade", "Maiúscula" e "A Encantadora de Barcos". É mãe das gêmeas Laís e Ísis.


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